de Carlos Drummond de Andrade
Uma rosa, em dia de chuva,
é uma rosa:
espalha em torno uma presença
luminosa.
Hoje chove por aqui. E realizo um sonho luminoso. O de colher uma Rosa no meu Jardim. Ganhei a muda de presente de uma amiga. De prima, fiquei tensa. Já havia tentado muitas vezes plantar rosas por aqui. Mas qual o quê? As formigas sempre foram implacáveis. Rosas são exigentes. E são lindas! Seu aroma é considerado por muitos o mais sutil. Sua essência a mais mágica. Mas de que me adiantam rosas que não posso cheirar? E o medo de me intoxicar? Como saber se aquele cheiro é o cheiro da flor mesmo ou é uma molécula de óleo essencial na qual se imiscuiu algum desses venenos loucos criados para matar algum ser? Como posso ser feliz oferecendo uma Rosa contaminada? Plantios comerciais de Rosas só são viáveis com o uso de muito adubo químico e, por conseguinte, muito veneno. Como amo Rosas, sempre desejei ter a minha própria, aqui em casa, sem veneno, cheia de vida, para eu poder cheirá-la com gosto, poder fazer preparados aromatizadores do ambiente, poder comê-la. Sim, Rosas são comestíveis. Mas nunca as Rosas que vêm de plantios comerciais. Se nos alimentos (que são cultivados para serem comidos), tem-se coragem de aplicar venenos (substâncias criadas para matar)... imagina nas flores que, a princípio, não serão comidas! Existem leis que estabelecem o tempo mínimo entre a colheita de um alimento e a última aplicação de veneno. Em regra, ninguém liga muito pra isso. Tem veneno que é, inclusive, aplicado depois da colheita, os chamados tratamentos de pós-colheita.
A formigas são seres que realmente me intrigam muito. Tenho várias espécies por aqui. Pequenas, grandes, marrons, pretonas, rapidinhas, miudinhas e lerdinhas. Tem as que fazem um ninho nas profundezas da terra e outras que os constroem à moda dos pássaros, em lugares inusitados no alto de muros ou árvores. Cada tipo de formiga tem uma função diferente. As que mais assustam os seres humanos são as formigas cortadeiras. Trabalhadeiras incríveis, dia e noite picam folhas, levam para alimentar suas colônias de fungos dentro da terra. Geram uma vida incrível de micros-seres no solo. Cavam túneis por onde a água penetra na terra reabastecendo raízes, lençóis freáticos e mananciais. Quando abandonam o ninho depois de mais um ciclo completado, deixam para trás a terra mais fofa e fértil onde qualquer coisa que se plante prospera. Mas, para fazer tudo isso, precisam de comida. E a comida delas é um fungo. E para cultivar o tal fungo, precisam de folhas. Sem folhas, sem formigas. Mas mais do que isso, elas nos mostram o que estamos fazendo errado. Elas não cortam qualquer coisa de qualquer jeito. Elas podam para estratificar o sistema, podam plantas fora do lugar, podam plantas que completaram seu ciclo ou que estão muito tristes e querem suicídio... As formigas não fazem nada disso em troca de um salário ou de férias remuneradas. Fazem porque sabem que têm que fazer. Não trabalham para receber elogios, nem aparecer nas notícias dos jornais. Trabalham por um senso de dever, para cumprir sua função que é a de gerar um solo rico onde novas florestas poderão se estabelecer, renovar e limpar sistemas muito bagunçados.
Mas não são todas as formigas que cortam folhas. Há também as formigas que são predadoras dos bichinhos que comem as folhas! Há outras que vive para cuidar das plantas. Como essas que encontrei nas folhinhas novas do ipê do cerrado. Zelosas, andavam para cá e para lá, tomando conta das folhinhas. Quem sabe se alimentem de algum exsudato que a planta produza para sevá-las. Passam o dia aí, andando para lá e para cá, com suas anteninhas fuçando tudo ao redor. E as folhas crescendo vigorosas e felizes.
Mas formigas e Rosas... Rosas e formigas...
Pois é, meu lugar não deve ser muito apropriado às Rosas... sombra demais, fertilidade de menos.
O que fazer com as formigas? Poucos pensam duas vezes antes de utilizar algum produto químico para eliminá-las. Eu desejo o trabalho delas. E não quero andar para trás. Quero sempre mais vida e nunca menos vida como resultado da minha intervenção. Acabar com elas seria ter no mínimo duas espécies a menos no jardim: a formiga e o fungo do qual se alimentam. Não posso abrir mão.
Às vezes é necessário adiar ou desistir de algo. A vida é assim.
Às vezes não. Ou às vezes, se contentar com o que dá pra ser.
Não sei se conseguirei ter Rozeirais por aqui, mas dei uma burlada no sistema e plantei a muda de Roseira em um vasão bem grandão com muita terra bem adubada, coloquei em lugar onde o sol chega direto algumas horas por dia e...
Hoje colhi uma linda Rosa para meu altar.
Gratidão.