domingo, 23 de abril de 2017

Preparando o Jardim Agroflorestal para a Seca


Quando a cúrcuma murcha é hora, não só de colher cúrcuma, como também de preparar o jardim agroflorestal para a época da seca. A seca é o inverno tropical, tempo de descanso da terra. Cada ecossistema evoluiu, ao longo de dezenas de milhares de anos conforme o clima local, desenvolvendo as estratégias perfeitas para garantir o máximo de vida futura, pois a regra do nosso planeta é a abundância de vida.
Preservar e incrementar a Vida é o impulso natural de Gaia, nossa Mãe Terra.

Nos lugares onde o inverno é rigoroso, nas regiões de clima temperado ou mais longe ainda, próximo dos polos, a terra se recobre de neve durante parte do ano. O gelo é um excelente isolante térmico. Sendo assim, o manto de neve que cobre o solo protege as sementes dispersas antes do inverno do frio excessivo, garantindo a explosão de vida que acontecerá na primavera, quando a neve derreter e infiltrar na terra fornecendo a primeira água que acordará as sementes. Por aqui, o desafio não é o congelamento, mas a desidratação. Enquanto lá o frio provoca a hibernação das sementes até a primavera, aqui a seca provoca a dormência que, ao desacelerar o metabolismo da sementes, conserva-as até o começo das chuvas. Mas, da mesma forma que o frio excessivo congela a semente provocando sua morte lá nos lugares temperados, a seca excessiva também pode inviabilizar nossa sementes e comprometer a continuidade da vida por aqui. Lá, a neve garante o isolamento térmico perfeito que mantém a temperatura do solo superior à do ar impedindo o congelamento das sementes. E aqui? O que poderá proteger as nossas sementes da desidratação? Uma densa cobertura de folhas e galhos sobre o solo. Tudo funciona orquestrada e perfeitamente. Na evolução das espécies que conseguiram se adaptar à sazonalidade hídrica típica de nosso Cerrado, tiveram sucesso estratégias como o armazenamento de água em profundas e gordas raízes e a queda das folhas que passam a cobrir densamente o solo. As sementes dispersas antes do começo das chuvas ficam ali, protegidas da desidratação sob essa cobertura de folhas e galhos, a serrapilheira, esperando o começo das chuvas para germinarem. Em tempos de crise hídrica, em que a irrigação de um jardim deve ser a menor possível, a melhor estratégia se o que desejamos é a sustentabilidade é imitarmos a natureza e cobrirmos densamente o solo no começo da seca.



Essa é, pois, a nossa tarefa: a de podar, em primeiro lugar, tudo o que está velho e seco e picar tudo distribuindo sobre o solo, o mais encostado e em contato possível com a terra, facilitando o trabalho dos bichinhos que trabalharão na sua decomposição e deixando o lugar organizado e bonito. Depois, com um olhar jardineiro, daqueles que pretendem exaltar e valorizar formas, volumes e cores, equilibrando a quantidade de biomassa no espaço tridimensional, podar o excesso de galhos e folhas que, picados sobre o solo, proporcionarão o isolamento hídrico necessário à proteção das sementes.

Como não me canso de repetir, não é possível uma jardinagem ou uma agricultura realmente sustentável sem cobertura do solo com serrapilheira. Cobrir densamente o solo é a única maneira de termos um bonito jardim que necessita de muito pouca irrigação para se manter forte, saudável e bonito. 

Mas temos diante de nós dois desafios gigantescos para conseguirmos algo tão simples. O primeiro deles é estético. Temos que acostumar nosso olhar para descobrir beleza na serrapilheira. A maior parte de nós foi acostumada a achar bonito o solo varrido, "limpo" e uniforme. Há que se treinar um novo olhar, que vê o belo na vida que pulsa sob uma camada de serrapilheira.

O segundo desafio está relacionado ao medo, mola propulsora da destruição. Medo dos bichos que poderiam se abrigar na serrapilheira, medo do fogo, medo do desconhecido.

Por isso, o exercício de plantar e manejar jardins e agroflorestas é uma oportunidade fantástica de evolução pessoal, de superação de uma visão conservadora de mundo em que reinam o controle e a uniformidade rumo à perspectiva da diversidade e do movimento. E também da superação do medo que, como sabemos, é a arma dos que desejam nos dominar. O risco de fogo não pode ser um argumento para tornarmos nossos sistemas produtivos mais pobres e insustentáveis. Há que se desenvolver as estratégias locais necessárias para evitar o fogo e ponto final.

Um comentário:

  1. Muito grato por compartilhar profundas reflexões ! E vamos cobri nosso solo e deixar bem bonito ! 😊

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